A queda de Edie Sedgwick é um retrato de uma busca desesperada pela completude, um eco moderno das teorias de Lacan sobre a falta e o desejo. Ela encarna o sujeito dividido, aquele que jamais encontra o objeto que satisfará sua lacuna existencial. Sua vida é um reflexo do que Baudrillard chamaria de "simulacro" – uma existência onde o real é constantemente substituído pela imagem, pelo espetáculo, pela ilusão.
Edie — interpretada aqui majestosamente pela Sienna Miller, de uma forma que ás vezes não dá pra saber quem é Sienna ou quem é Edie de verdade — parece habitar um mundo que confunde o efêmero com o eterno. A Factory, como espaço físico e simbólico, é a perfeita materialização desse estado: um lugar de criação artística e destruição pessoal, onde o brilho do momento é tudo o que importa. Andy Warhol surge como uma espécie de demiurgo contemporâneo, um deus indiferente que manipula as vidas ao seu redor, mas sem o peso da responsabilidade. Ele é, em essência, o voyeur definitivo, aquele que consome o outro sem nunca se entregar. Sua relação com Edie é quase religiosa em sua estrutura: ele é o ídolo e ela, a devota sacrificada, oferecendo sua essência em troca de um vislumbre de eternidade.
Do ponto de vista freudiano, o filme nos leva ao "mal-estar na civilização" de forma literal. Edie, como uma jovem rica e privilegiada, é vítima de uma cultura que a exalta e a destrói em igual medida. Sua trajetória ilustra o conflito central que Freud descreve: o choque entre nossos impulsos primitivos e as restrições impostas pela sociedade. Sedgwick é trágica porque sua tentativa de se libertar – seja por meio da arte, da moda ou do amor – a lança ainda mais profundamente na engrenagem que a consome.
A inclusão do personagem inspirado em Bob Dylan (porque o próprio Bob Dylan rejeitou ser retratado no filme, mesmo tendo sido tão importante na história da Edie, é bom ressaltar) reforça essa dicotomia entre desejo e destruição. Ele funciona como um espelho da dualidade: a promessa de um amor genuíno e a impossibilidade de tal amor dentro do mundo fragmentado que ela habita. A desconexão entre eles não é apenas pessoal, mas ontológica. É impossível conciliar o mundo do folk poético de Dylan, que estava em ascensão nos EUA com a superficialidade pop da Factory — e Edie, suspensa entre esses dois polos, é dilacerada no processo. Dylan e Warhol.
A Factory, como espaço simbólico, poderia ser lida através de Benjamin e sua ideia da "aura". Warhol, em sua desconstrução da arte tradicional, destrói a aura em nome da reprodutibilidade técnica. Mas Edie é a última vestígio dessa aura perdida. Ela é o humano em meio ao inumano, o real em um mundo saturado de imagens. Depois trocada pela Nico Icon e pelo Velvet Underground.
Factory Girl é quase uma reencenação moderna da Paixão de Cristo. Edie, como mártir do consumo e da fama, é crucificada pelo olhar coletivo. Seu sacrifício, no entanto, não traz redenção; ele apenas expõe a crueldade de uma sociedade que devora suas musas para depois descartá-las. É impossível não traçar paralelos com figuras como Marilyn Monroe, outra mulher destruída pela máquina da cultura pop.
No final, a maior tragédia de Factory Girl é que, como espectadores, somos cúmplices. Hickenlooper nos coloca na posição de Warhol – observamos Edie com fascínio, mas sem verdadeira empatia. O filme, em sua narrativa e estética, captura o vazio de uma época onde ser visto era mais importante do que ser compreendido. E, ao fazê-lo, nos obriga a confrontar nossa própria relação com o espetáculo e a destruição daqueles que adoramos.
Se Edie Sedgwick nos ensina algo, é que, como dizia Kierkegaard, a vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas deve ser vivida olhando para frente. A tragédia é que, para Edie, não houve tempo suficiente para olhar para trás – sua vida foi consumida pelo presente incessante da Factory. E, talvez, essa seja a maior ironia de todas: na busca pela eternidade, ela encontrou apenas a lembrança.
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